Pesquisa da USP revela que os controladores de tráfego aéreo estão sofrendo com fadiga mental em Congonhas

Uma pesquisa realizada na área de Neurociências e Comportamento, do Instituto de Psicologia da USP, revelou que os controladores de tráfego aéreo (ATCO) estão mais cansados e com as respostas motoras mais lentas no final do turno.

Para quem atua na área, a profissão requer responsabilidade, ainda mais em situações imprevisíveis durante os pousos e decolagens das aeronaves. Diante do cenário do aeroporto mais movimentado nas operações domésticas, a situação tende a piorar para a percepção de fadiga mental aguda (que foi o foco da pesquisa).

Para a realização da pesquisa, profissionais (homens e mulheres) foram avaliados em seu estado de fadiga mental durante o início de final de turno. Como resultado, contatou-se que alguns profissionais apresentaram falta de atenção, de concentração, de consciência da situação, de funções executivas, de redução da motivação -, aumento de erros e lentidão nas respostas motoras.

Além disso, também se constatou quadros de fadiga crônica, que podem desencadear sintomas de sonolência e alterações de humor.

“A exaustão é a cronicidade do quadro de fadiga. Quando o quadro se torna crônico, há um adoecimento da pessoa, porque o descanso não restabelece nem recupera o cansaço, como no caso da fadiga aguda”, explica ao Jornal da USP Dâmaris Campos Teixeira, psicóloga e autora da pesquisa.

TESTE DE AVALIAÇÃO MOTORA: TAREFA MANUAL

O estudo foi constituído de duas etapas. Na primeira, para avaliação da fadiga, foi feito um teste motor com vinte e três profissionais para avaliar quanto tempo se gastava para realizar uma determinada tarefa no início (às 13 horas) e no final do turno de trabalho (às 20 horas). O intuito era avaliar como eles se sentiam em cada uma dessas etapas.

A tarefa motora consistia na inserção de uma barra de madeira em um orifício em formato de X em uma caixa de madeira, o mais rápido possível a partir de um estímulo luminoso. Segundo o estudo, esse exercício requer alta demanda cognitiva, uma vez que exige planejamento a partir da identificação do estímulo, seleção e programação da resposta a ser efetuada.

Neste teste, foram avaliados o tempo total (TT) de execução da tarefa; o tempo de reação (TR), que é o tempo do acendimento da luz até a retirada da mão da base da madeira; tempo de finalização (TF), que corresponde ao intervalo da retirada da barra do suporte até o contato com o fundo da caixa; variáveis de erros; tempo de iniciação (TI), que vai do acendimento da luz até a retirada da barra de suporte pelo participante; e tempo de mão-barra (TMB), calculado da retirada da mão do suporte de madeira até a retirada da barra do suporte.

GRÁFICO DE NÍVEL DE FADIGA 

Nas duas últimas variáveis, o tempo de iniciação (TI) e o tempo de mão-barra (TMB), houve alteração motora no nível de fadiga. Em ambas as variáveis, os controladores levaram mais tempo para realizar as tarefas no final do turno quando comparados ao início dele. Na variável TI, a média do tempo no início do turno foi de 0,75 segundos, enquanto ao final foi de 0,8 segundos. Já para a variável TMB, no início do turno a média foi de 0,38 segundos, ao passo que a do final do turno foi de 0,44 segundos. “Ainda que sejam frações de segundos, as diferenças foram estatisticamente significativas”, diz a pesquisadora.

 

TESTE DE PERCEPÇÃO DE FADIGA – ESCALA SAMN-PERELLI

A avaliação da fadiga mental dos controladores também foi realizada por meio uma escala chamada Escala de Samn-Perelli, composta de sete afirmações nas quais os participantes tinham que escolher a que correspondia melhor a sua percepção de fadiga para aquele momento. A escala possui sete níveis, que vai do 1, em que a pessoa se sente totalmente alerta, ao 7 (completamente exausta, incapaz de trabalhar efetivamente).

Baseado nessa escala, o gráfico que demonstrava a frequência da percepção de fadiga mental no início e término de um turno ficou assim: dos 23 profissionais avaliados no início da jornada de trabalho, 22 se consideravam em estado totalmente alerta e apenas uma pessoa se encontrava com leve percepção de fadiga. Já no término do expediente, apenas 13 pessoas se consideravam totalmente alertas, oito sentiam fadiga leve e duas com fadiga moderada.

PREVENÇÃO DE ACIDENTES AERONÁUTICOS

Considerando que um incidente/acidente tenha múltiplas causas (técnicas, sociais e organizacionais), mesmo que ocorra uma falha humana pontual (o que é previsto), existem outros meios de garantir a segurança da operação.

“O trabalho de profissionais da aviação ocorre em meio a muitas imprevisibilidades e incertezas e, quando todas as barreiras de segurança dos sistemas falham ao mesmo tempo, incluindo a humana, as consequências podem ser fatais”, explica a pesquisadora. Assim, o foco do Setor de Segurança Operacional é identificar as falhas do sistema em todos os níveis (hardware, software, ambiente organizacional e pessoas) e mitigá-las para que as consequências indesejáveis não aconteçam.

TREINAMENTO COGMED

A pesquisa também descobriu que mesmo após a realização do Cogmed, um treinamento computadorizado oferecido aos controladores pelo centro de controle para ampliar a capacidade da memória operacional, não houve evidência que mostrasse que o curso tenha trazido ganhos para os participantes, implicando menor fadiga mental.

Por memória operacional, “entende-se que é aquele tipo de memória que permite que a pessoa armazene e manipule informações temporárias e, ao mesmo tempo, realize tarefas cognitivas de maior complexidade como raciocínio imediato, solução de problemas e implementação de comportamento”, diz a pesquisadora. É esse tipo de memória – localizada na região pré-frontal e parietal do cérebro – que é bastante requisitada pelos profissionais da aviação, e que em tese poderia ser estimulada com exercícios cognitivos provenientes de treinamento computadorizado.

Depois do treinamento Cogmed, a pesquisadora separou os controladores de tráfego aéreo em dois grupos – um experimental e um controle (com nove pessoas em cada um). Somente o grupo experimental realizou o treinamento Cogmed. Em seguida, todos os participantes foram novamente avaliados no início e no término do turno operacional com o teste motor (o da caixa de madeira). Os resultados dessa fase mostraram que não houve diferença significativa no desempenho da tarefa motora nas avaliações do grupo controle e do grupo experimental, conforme relato dos participantes.

“… não vi nenhuma diferença depois de fazer o Cogmed. Na verdade, não observei nenhuma diferença na operação, continuo cansado igual. A mesma coisa ou pior, porque a carga de trabalho está aumentando.” (Profissional n.3); “…sobre a fadiga mental eu não sei dizer se o Cogmed traria benefício. Malefício não, mas benefício eu não sei dizer.” (Profissional n.20)

 

QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO

Dâmaris também avaliou a qualidade de vida desses profissionais no ambiente de trabalho. Segundo o estudo, o índice de satisfação dos trabalhadores interfere no estado mental geral dele. O resultado obtido nessa avaliação foi de nível médio. O fator de maior escore foi o pessoal e o de menor, o profissional.

Em resposta a uma entrevista feita com eles, no período em que foram coletados os dados, em 2021, o contexto de trabalho na pandemia foi considerado um fator positivo, uma vez que, nessa época, os profissionais operaram com aproximadamente 30% menos do tráfego do que em 2019. Um dos participantes da pesquisa confirmou essa informação em uma de suas respostas:

“Na realidade, o maior impacto da pandemia foi a retirada das pessoas, né, que têm mais risco. Aí o efetivo diminuiu bastante. Só que em compensação, no período propriamente dito da covid mesmo, lá no começo, tava ainda com pouquíssima aeronave. Pouquíssimos voos. Aí tava tudo lindo e maravilhoso! A gente ia pra lá pra nada. Pelo menos lá era agradável. A gente não tinha que ficar trabalhando vários dias também. Aí foi voltando, foi voltando… e tem gente voltando até hoje para escala.” (entrevistado 01)

Quando perguntado aos profissionais sobre escalas e folgas, se observou que os períodos de descanso não serviam somente para restabelecimento físico e mental, mas também para ampliar a fonte de prazer, o que refletiu no aumento da qualidade de vida e reflexos na atividade profissinal:

“Para eu ter uma qualidade de vida melhor eu tenho que tá bem no trabalho e conseguir aproveitar também a minha vida fora, na folga. E fazer coisas que eu gosto”. (entrevistado 01) “Porque com a escala eu consigo… eu olho a agenda e me programo assim… poxa, nesse dia de folga eu consigo fazer isso e isso outro. Em dia de semana mesmo.” (entrevistado 02)

 

ROTINA DE TRABALHO DOS CONTROLADORES DE TRÁFEGO AÉREO (ATCO)

A atividade exige que os profissionais lidem eficazmente com demandas simultâneas e em tempo real, assegurando que as aeronaves decolem e aterrissem em segurança nos aeroportos e que mantenham distâncias seguras umas da outra. Em seu dia a dia, a partir da tela do radar, que mostra as aeronaves controladas, os controladores gerenciam as prioridades, como aeronaves transportando órgãos humanos ou atendendo a emergências médicas; se antecipam e tomam providências que se façam necessárias em situações de possíveis conflitos entre os tráfegos; realizam comunicações simultâneas estabelecidas via fonia com diversas aeronaves e outros controladores; dão informações meteorológicas.

As principais características exigidas desses profissionais são raciocínio rápido, visão espacial, memória, julgamento, raciocínio lógico, atenção concentrada, atenção dividida, capacidade de trabalho em equipe, assertividade, entre outras. A jornada de trabalho é de 8 horas, em escala rotativa (manhã, tarde e noite). A cada duas horas, há um intervalo de uma hora para descanso e recuperação física e cognitiva.

Diariamente, o trabalho começa com uma reunião com a equipe para desenhar um panorama da situação naquele momento: condições meteorológicas, tráfego aéreo, operações especiais (Copa do Mundo, eventos de Fórmula 1, visita do Papa, por exemplo). No órgão operacional estudado, cada profissional controlava até sete aeronaves simultâneas em seu setor, em horários convencionais. Nos horários de pico, no máximo cinco. Quando há necessidade, um outro profissional é direcionado para atuar como assistente, e juntos podem controlar mais aviões.

O início da carreira se dá após aprovação em concurso público e ingresso na Escola de Especialistas da Aeronáutica. Depois de três anos de formação e estágio, os profissionais recebem a habilitação para desempenhar a função. A maioria é da carreira militar, mas civis também exercem esse tipo de atividade.

Mais informações: Dâmaris Campos Teixeira, e-mail damariscteixeira@gmail.com; Michele Schultz Ramos, e-mail mschultz@usp.br.

Fonte: Jornal da USP

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