Existe uma frase de Eduardo Juan Couture, da qual gosto muito: “Teu dever é lutar pelo direito, mas se um dia encontrares o direito em conflito com a Justiça, lute pela Justiça”.
A intenção desse artigo não é defender cegamente nenhum dos lados envolvidos na questão: Sejam as operadoras de saúde, a Agência Nacional de Saúde (ANS) ou a população; mas tão somente alertar para a realidade dos fatos e o futuro que nitidamente se aproxima.
As operadoras de saúde no mundo surgiram para ocupar um espaço que havia entre o sistema público, que em alguns casos era ineficiente ou mesmo inexistente como em alguns países, e/ou onde os tratamentos particulares se tornam inviáveis à população.
Ainda temos exemplos de alguns países nos quais existe um sistema público muito eficiente, mas um exemplo distante de nossa realidade; pois carecemos de gestores competentes, menos políticos e mais técnicos e uma população mais madura e menos interessada no seu próprio interesse, onde o interesse coletivo não se sobrepõe.
Consenso é urgente
Esse tripé de envolvidos precisa urgentemente chegar a um consenso, pois se cada um enxergar apenas o seu lado, veremos cada vez mais operadoras de saúde fechando as portas e a qualidade das que conseguirem sobreviver cada vez pior. Não é incomum ouvirmos relatos do tipo: “meu convênio está pior que o SUS” – e olha que se não fosse o SUS seria o caos completo.
Alguns podem pensar que, se algumas operadoras fecharem, outras absorvem e fica na mesma, mas não é bem assim. Acabarão sobrevivendo apenas aquelas que possuem ganho em escala, porte muito grande e, na maioria das vezes, nas quais o lucro é o principal interesse. Além da criação de monopólios, as grandes não possuem a mesma capilaridade que as pequenas e médias possuem, pois conseguem atingir pequenos e médios municípios onde, para as grandes operadoras, não faz sentido levar saúde pois não há retorno financeiro – simples assim.
Risco de falência
Nesse ano, a ANS aprovou a inclusão no rol o uso do Zolgensma, do laboratório Novartis, uma medicação utilizada no tratamento da Atrofia Medular Espinhal (AME), feita em dose única, ao valor de R$ 6 milhões –isso mesmo, SEIS MILHÕES! A maioria das pequenas e médias operadoras que não falirem irá passar a vida toda de sua existência sem esse lucro operacional.
O próprio SUS aprovou essa compra de forma parcelada e condicionada ao desfecho, ou seja, deposita 20% do valor de compra e vai pagando se tiver resultado e eficácia. Quem ganha nessa operação? Creio que fica claro que são os laboratórios multinacionais que, na grande maioria das vezes, possuem patentes de suas pesquisas e descobertas.
Claro que é justo um laboratório ter remuneração por seu trabalho, mas o lucro fica todo com ele e repassa a conta para a frente? Chega à ANS, e ela repassa para as operadoras de saúde? Operadora de saúde funciona tal qual uma seguradora de carros, trabalha com sinistralidade. Quanto mais alto o sinistro (gastos), maior será o boleto que receberemos para pagar em nosso convênio de saúde. Não existe milagre ou fórmula mágica.
Prejuízo para o público
Se continuarmos empurrando o problema para as operadoras, o problema na verdade ficará com quem paga o boleto final. Ou pagaremos cada vez mais caro e com menos qualidade, ou teremos que inchar ainda mais o sistema público ou arcar com custos particulares. E que fique claro: com o avanço tecnológico na velocidade da luz, esses incrementos milionários de custos serão cada vez mais frequentes. E a solução? Como libriano, cujo símbolo é uma balança, creio ser na sensatez e na justiça, não de forma impositiva às operadoras.
Muitas medicações caras nem sempre são as únicas e as melhores, nem toda novidade é a salvação. Aliás, salvam quem mais ganha com isso. E a população precisa estar ciente disso.
Doutor Guilherme Lacerda é diretor da Abramge-MG e do Comitê de Gestores do Estado de MG e diretor-presidente do Hosp. São José de Contagem
Fonte: O TEMPO